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Meta de dobrar atenção primária se perde no socorro a emergências

Quatro meses depois de lançar o programa Brasília Saudável, com o objetivo de dobrar a cobertura de estratégia de saúde da família até 2018, o governo do Distrito Federal demonstra que a necessidade de fortalecer a atenção primária está só no papel. Agora, a prioridade são os serviços de urgência e emergência, que sofrem com deficit de profissionais tanto quanto as unidades básicas.

No início de outubro, a Secretaria de Saúde (SES-DF) publicou portaria determinando que todos os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, bem como médicos de algumas especialidades lotados em unidades de saúde da atenção primária deveriam exercer um terço de sua carga horária semanal em prontos-socorros, unidades de pronto atendimento (UPAs) e unidades de terapia intensiva (UTI). A norma exclui profissionais de equipes de Estratégia Saúde da Família.

A secretaria justificou a medida mencionando a situação de emergência declarada na saúde pública do DF, que tem sido prorrogada repetidamente e já se arrasta por quase dois anos. O deficit de profissionais em todos os hospitais e unidades de pronto atendimento e os leitos de UTI fechados por falta de pessoal também foram usados como argumento.

No entanto, o mesmo motivo é apresentado no documento de referência do Brasília Saudável, que aponta que as condições precárias de trabalho na atenção primária levam à “perda de servidores públicos e à falta de interesse de profissionais de saúde, sobretudo médicos, em ingressar e permanecer no quadro de pessoal” da SES-DF.

Entre as causas para a baixa resolutividade da atenção primária à saúde, o projeto destaca a infraestrutura inadequada das unidades básicas de saúde (quase metade delas é alugada ou cedida), desabastecimento de remédios e insumos e falta de manutenção de equipamentos, problemas igualmente frequentes em hospitais e UPAs.

“A falta de foco da Secretaria de Saúde prejudica pacientes e servidores. Vamos tirar trabalhadores da atenção primária, que já está deficitária, para assistir as emergências dos hospitais, justamente onde o governo não quer que seja a porta de entrada dos usuários”, critica o presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF), Gilney Guerra.

O diretor ressalta outras contradições do governo, comparando as ações da Secretaria de Saúde com o programa lançado como carro-chefe do Executivo local para a área. “Claramente, a secretaria diz nesse documento que ‘o funcionamento precário das unidades básicas de saúde e das UPAs prejudica os hospitais, perpetuando um ciclo perverso de desassistência e superlotação’. Ainda assim, em vez de tratar a raiz do problema, o governo se volta à atenção hospitalar em detrimento da atenção primária”, desaprova Guerra.

 

UPAs: caras, mal-planejadas e ineficazes

No documento de referência, a secretaria admite que as emergências dos hospitais trabalham no limite de sua capacidade, recebendo pacientes que deveriam ser acompanhados por outros pontos de atenção. Com relação às UPAs, a pasta revela que a forma como as UPAs foram implantadas – com equipes de trabalho com vínculos precários, predomínio de contratos temporários e pagamento de horas extras, equipamentos sem contratos de manutenção, algumas unidades com estrutura incompleta – “impediu que esse equipamento cumprisse sua verdadeira função no sistema de saúde”.

Para o presidente do Coren-DF, as falhas nas políticas públicas de saúde locais são graves, e o governo não demonstra interesse em tornar as propostas em realidade. “É estarrecedor que o governo proponha dobrar a cobertura da atenção primária até o fim de sua gestão e, em seguida, mande os servidores da área para cobrir serviços de urgência e emergência. Não existe diálogo com as entidades de classe. O que foi feito até agora para tirar o Brasília Saudável do papel? Nada. Quase dois anos de estado de emergência e, em qualquer unidade de saúde que formos, vamos ouvir que falta profissional, medicamento, insumo, que equipamentos estão quebrados. Nada melhora e não temos explicação, muito menos uma solução.”

 

Da atenção primária para a emergência

Quanto à Portaria 231/2016 da Secretaria de Saúde, que determina que profissionais de enfermagem e médicos trabalhem um terço da jornada em prontos-socorros, UPAs e UTIs, o presidente Gilney Guerra explica que o atendimento emergencial é diferente da assistência na atenção primária em critérios técnicos e científicos. “Essa portaria nos preocupa porque a maioria dos profissionais atingidos por essa determinação não presta assistência a pacientes em situação de gravidade”, observa.

A norma deixou profissionais de enfermagem apreensivos. O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem prevê que é direito do profissional “recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência técnica, científica, ética e legal ou que não ofereçam segurança ao profissional, à pessoa, família e coletividade”. Entidades sindicais pretendem ingressar com ações judiciais para resguardar os servidores.