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Discussão sobre prescrição de exames e medicamentos por enfermeiros domina o debate público em Brasília

O debate sobre a prescrição de exames e medicamentos por enfermeiros ganhou um novo capítulo nesta quinta-feira (13). Em audiência pública na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), representantes de classe, do governo, do parlamento, membros da comunidade e especialistas passaram mais de 5 horas em sessão, discutindo os impactos da medida na saúde pública de Brasília. Entre muitas divergências, a maioria concordou em três pontos: não restam dúvidas de que a prescrição por enfermeiros tem amparo legal, vai reduzir filas e otimizar o atendimento à população. 

A legalidade da prescrição de exames e medicamentos por enfermeiros é indiscutível. A Lei 7.498/86, que regulamenta o exercício profissional da enfermagem, prevê:

Art. 11 O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:

c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde.

Portanto, o que resta decidir é como normatizar a prática em nível local, para definir os protocolos e incluir na rotina dos serviços de saúde. “Sobre a prescrição de exames e medicamentos por enfermeiros, não há nenhuma novidade nisto. A lei que regulamenta a profissão tem essa previsão desde 1986 e não restringe o nível de atenção, tampouco limita ao setor público. A prática pode ser feita também no setor privado. A lei é ampla. O que precisa acabar é essa briga de classes. Sempre que os enfermeiros avançam, acontece uma judicialização. Tem que pensar mais na comunidade. Cada um se preocupa, sim, com a sua profissão. Mas nós não somos irresponsáveis a ponto de colocar a nossa profissão acima dos interesses da sociedade. O que a gente quer para o usuário? Queremos aumentar o acesso à saúde”, frisou o tesoureiro do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Dr. Gilney Guerra.

O presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF), Dr. Marcos Wesley, fez um discurso contundente e mostrou disposição para mudar a percepção sobre a enfermagem. “Não se trata de uma disputa entre profissões. Nós somos da paz, somos pacificadores. Só que isso não quer dizer que somos bobos, que vamos aceitar as coisas calados. Nós somos da paz, mas a enfermagem foi forjada nas guerras e, se for preciso, nós vamos lutar. Não contra outros profissionais, mas nós vamos lutar para garantir as nossas prerrogativas. Nós temos que mudar, temos que desmitificar a imagem da enfermeira fazendo gesto sereno de silêncio. A enfermagem tem que falar, tem que ter voz. Por meio de nossas atribuições e da competência dos enfermeiros, nós podemos revolucionar o processo saúde-doença. Nós podemos fazer a diferença entre a vida e a morte”, asseverou.

O expositor apontou exemplos práticos de como a falta de rotina para a prescrição por enfermeiros prejudica o atendimento da população. “Trabalhei com pediatria durante muito tempo e vivenciei situações terríveis. A gente pesava uma criança com 5 quilos, constatava 38.3 de febre. O que a gente tinha que fazer? Sair correndo atrás de um médico para prescrever paracetamol. Criança de 5 quilos, simples, 5 gotas de paracetamol. O enfermeiro tem competência, mas não pode resolver, se não tiver rotina. Assim, a mãe tem que ficar 5, 6 horas esperando, correndo o risco de a criança sofrer crise convulsiva. Mas, se ela atravessar a rua e for numa farmácia, o balconista vende o medicamento livre de prescrição. O enfermeiro, na segurança de um ambiente hospitalar, não pode prescrever” reclamou o presidente do Coren-DF, Dr. Marcos Wesley.

Infelizmente, a desinformação ainda prejudica o debate técnico e impede avanços. “O que me preocupa é quando vai para a mídia. Ainda me surpreende que, no dia de hoje, as pessoas que vão influenciar a opinião pública tenham dúvidas sobre a enfermagem e não saibam informar o básico à sociedade. Um repórter recentemente me perguntou ‘se a lei permite, por que vocês não fazem?’ Eu é que faço essa pergunta. A lei diz ‘quando a rotina da instituição permitir’. Falta quem tem poder sobre as rotinas garantir essa prerrogativa do enfermeiro. A Secretaria de Saúde, por meio da portaria, está começando a fazer isso. Não vamos sentar na cadeira do médico, só vamos desempenhar as nossas competências. Como integrante da equipe de saúde, enfermeiro pode prescrever”, concluiu Dr. Marcos Wesley.

A Dra. Simone Fidélis, que é enfermeira, advogada e professora, deu um importante depoimento, que mostra a realidade da enfermagem em outros países. “Por experiência própria, eu percebi a valorização da enfermagem lá fora. Uma vez, sofri um pequena luxação em Portugal e fui atendida na classificação de risco por uma enfermeira, que foi quem pediu a radiografia do meu pé. Lá enfermeiros podem solicitar exames de imagem. No Canadá, conheci uma enfermeira forense, que trabalhava em um hospital fazendo coleta de material das mulheres vítimas de violência para encaminhar ao judiciário. É estranho estar aqui hoje discutindo isso. Acho que, no Brasil, a gente está um pouco atrasado. Inclusive, a justiça federal já disse que podemos fazer prescrição. A justiça de São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina também já se posicionaram a favor dos enfermeiros. A figura mais importante do sistema de saúde é o usuário. O que for bom para ele, deve ser feito pelas categorias. Hoje se fala muito em muitidisciplinaridade e interprofissionalismo. Isso, sim, deve estar em voga”, considera.

Autor do requerimento da audiência pública, o deputado Jorge Vianna fez a mediação do debate e o encaminhamento do que deve ser feito a partir de agora. “Meu partido é o SUS. Não devemos entrar no jogo de conflitos, devemos entrar no jogo de ideias, pois sempre que duas categorias se dividem, ambas se enfraquecem. O objetivo dessa portaria é melhorar o atendimento de doenças protocolizadas, como é o caso da dengue, que registra índices alarmantes no Distrito Federal. Ano passado os enfermeiros prescreveram exames e medicamentos para dengue, pois não havia médicos o suficiente. Vamos parar esse atendimento? Temos que pensar na necessidade da população. Por vários motivos, por não acreditar no sistema, o paciente tem uma necessidade de atenção básica, mas vai para o pronto socorro, pois acha que somente lá pode ser atendido. O enfermeiro pode fazer prescrição para esse paciente na atenção básica, mas não pode atendê-lo no pronto socorro? Não faz sentido. As categorias precisam chegar a um consenso e pacificar essa questão”, ponderou. 

Representantes sindicais deram uma importante contribuição ao debate. “Não é qualquer profissional que vai prescrever e não é qualquer remédio e exame que vai ser prescrito. Existe muito desconhecimento. Os formadores de opinião precisam ter mais responsabilidade. Nós não estamos aqui defendendo um direito dos enfermeiros, estamos pedindo apenas que deixem cumprir o nosso dever. Onde já se viu brigar para exercer um dever? Não temos que discutir isso. Temos que discutir melhores condições de trabalho, mais dimensionamento, etc”, disse a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal (SindEnfermeiro), Dra. Dayse Amarilio. 

O chefe da assessoria de relações institucionais da Secretaria de Saúde, Dr. Vanderlei Ferreira Nunes, declarou que o governo está aberto ao diálogo. “A SES está aberta a discutir o assunto para encontrar a melhor solução possível. A portaria obedece ao que diz a lei. No currículo da enfermagem, está prevista a prescrição. Se isso já é feito na atenção primária, pode ser feito na secundária e terciária, desde que sejam respeitados os protocolos. Nosso objetivo é consolidar o acesso à saúde”, frisou. A ausência do secretário de saúde foi bastante criticada pelos debatedores.

Enfermeiros já fazem a prescrição de exames e medicamentos na atenção básica desde 2012. Os enfermeiros detêm competência técnica, científica, ética e legal para fazer prescrição, possuem um longo histórico de serviços essenciais prestados à população e são peças indispensáveis para resolver os problemas de saúde pública que existem hoje. Ao contrário do que se imagina, não existe hierarquização entre categorias no serviço público de saúde. Existe interdependência, em benefício do paciente. Não se pode pensar em hierarquia de profissão. A enfermagem é livre.