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Força-tarefa mira irregularidades em hospitais psiquiátricos

Aparelho eletrochoque apreendido em operação que mirou irregularidades em clínicas psiquiátricas na Bahia

RIO –  Considerados ultrapassados no tratamento de pacientes com distúrbios psiquiátricos , aparelhos de eletrochoquesem permissão para uso foram encontrados em uma operação de fiscalização que mirou 40 clínicas e hospitais em 17 estados de todas as regiões do país nos últimos três dias. Também foram encontrados casos de cárcere privado, pacientes amarrados em macas e outros tipos de contenções físicas – em geral, amarras feitas com lençóis – fora do protocolo, que são consideradas formas de tortura . Não há, no entanto, nenhum indício de que houve excesso contra pacientes nos lugares onde os aparelhos foram recolhidos.

A ação foi liderada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que coordenou as atuações dos ministérios públicos estaduais, junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), teve como objetivo identificar denúncias de maus tratos em hospitais e clínicas psiquiátricas de grande porte e alta taxa de ocupação, com denúncias de violação de direitos humanos, irregularidades, alto número de óbitos, ou com indicação de descredenciamento pelo Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria).

No Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Estado também participou. As equipes estaduais agora irão se reunir para produzir relatórios regionais que, em 2019, serão organizados e publicados no formato de um documento nacional.

Todos esses centros recebem verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Rede de Atenção Psicossocial, à qual os hospitais psiquiátricos passaram a integrar em maio deste ano. O pagamento é feito por dia de internação de cada paciente.

– Ao longo deste ano, usaram uma portaria para incluir os hospitais psiquiátricos, que funcionam segundo uma lógica manicomial de encarceramento dos pacientes, na Rede de Atenção Psicossocial. Ao mesmo tempo, cortaram em cerca de R$ 80 milhões o orçamento dos Centros de Atenção Psicossocial, que são alternativas com atendimento humanizado. – explica o psicólogo Lúcio Costa, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

– Frente a essa mudança nas prioridades da política de saúde mental, achamos importante traçar um panorama de como estão funcionando esses hospitais. E o que encontramos foi uma série de violações.

Aparelhos de Eletrochoque – Em Juazeiro (BA), um aparelho de eletrochoque foi apreendido para averiguação. Em São Paulo e em Goiás, a documentação de permissão para uso da máquina não foi apresentada – foram pedidas fiscalizações da Anvisa para verificar a regularidade dos  equipamentos e a investigação segue, agora, para verificar se eles eram usados irregularmente como meio de tortura.

Em Goiás, o procedimento era contratado em pacotes de 10 a 12 sessões, que chegavam a ser cobradas a mil reais cada. Cerca de 30 pacientes passavam pelo eletrochoque em apenas uma manhã; inclusive adolescentes. Os Conselhos Regionais de Psicologia da Bahia e de São Paulo possuem um posicionamento histórico contra o uso da eletroconvulsoterapia, pedindo o banimento da prática no Brasil.

Costa compôs a equipe de coordenação da fiscalização e esteve junto à fiscalização do Instituto Bairral de Psiquiatria, em São Paulo, o maior hospital de psiquiatria da América Latina, onde foi encontrado um dos três equipamentos de eletrochoque. A documentação necessária para comprovar sua regularidade não foi apresentada.

Na última quarta-feira, O GLOBO acompanhou uma das 40 fiscalizações feitas pelas entidades. A clínica localizada em Nova Friburgo (RJ) tinha graves problemas estruturais, com paredes sujas e descascadas, no pátio interno havia excrementos em uma das paredes; a maioria das camas estavam empenadas ou se desmontando, lençóis e toalhas de banho estavam sujos ou rasgados. Os pacientes que estavam fora de suas camas caminhando pelos pátios muitas vezes usavam roupas que não cabiam neles; é que a maior parte das roupas chegam ali por doação, bem como alguns alimentos.

– Não havia um plano de desinstitucionalização para os pacientes, que recebem uma quantidade excessiva de medicamentos durante o dia inteiro, sem haver revisão periódica, mantendo-se a dosagem por longos períodos. Não havia também qualquer tipo de plano terapêutico individualizado – explica a psicóloga Débora Muller, do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, presente na fiscalização.
Também foram registrados casos de pacientes sem qualquer tipo de documentação. Não foi divulgado o número exato de pacientes sem registro, mas a Defensoria Pública do Estado está levantando informações sobre as condições da documentação.

Modelo ultrapassado – Apesar da estrutura comprometida e do más condições dos pacientes, funcionários disseram fazer “o possível” para dar um tratamento digno. A manutenção forçada de pacientes – seja psiquiátricos, seja em reabilitação de dependência química – dentro de espaços confinados é dada como uma metodologia ultrapassada por especialistas em saúde mental. No entanto, esta tem sido a nova tônica das políticas públicas de saúde mental adotadas pelo governo.

– Esses lugares funcionam sob uma lógica diferente da lógica preconizada pelo SUS. Trancar não é tratar. O modelo asilar foi ultrapassado, a atenção psicossocial já é comprovadamente a opção mais democrática e ética no sentido do tratamento humanizado. O manicômio e suas lógicas só cronificam o sofrimento mental – afirma Pedro Cavalcante, psicólogo do movimento Luta Antimanicomial, também presente na operação que aconteceu no Rio de Janeiro.

– O eletrochoque ainda está na memória daqueles que sofreram com esse tipo de prática, que servia de punição para pacientes “agitados” no manicômio. É um absurdo que ainda exista esse tipo de coisa.

 

O Conselho Federal de Enfermagem já se manifestou em defesa do legado da Reforma Psiquiátrica e contra os retrocessos em Saúde Mental.