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Estresse na gestação pode comprometer desenvolvimento cerebral do bebê

A gravidez é um dos períodos em que a mulher precisa ter mais atenção à saúde, com acompanhamento contínuo de especialistas e atenção redobrada com a alimentação e a forma física para garantir o seu bem-estar e o do bebê. Além da cautela em relação ao corpo, um cuidado que acaba passando desapercebido tem se mostrado cada dia mais fator extremamente importante: a saúde emocional.

Cientistas mostram, em uma série de pesquisas recentes, que traumas sofridos na gestação e durante os primeiros dias de vida podem influenciar no surgimento de transtornos de humor e de ansiedade nas crianças. Segundo investigadores, é possível usar os dados desses estudos para ajudar na prevenção de enfermidades psicológicas durante a idade adulta.
O estresse e seus efeitos em recém-nascidos foi um dos temas de discussão da reunião anual da Sociedade de Neurociência, realizada na última segunda-feira, em San Diego, nos Estados Unidos. Durante o evento, pesquisadores da Universidade de Ohio apresentaram um estudo que ajuda a explicar por que essa condição de tensão excessiva no início da vida pode influenciar negativamente a saúde mental.
Os cientistas analisaram o papel dos mastócitos, uma célula extremamente importante no desenvolvimento humano. “Essas são células imunes envolvidas em reações alérgicas que, historicamente, foram amplamente ignoradas por neurocientistas, mas agora estamos descobrindo, em modelos de roedores, que podem ser responsáveis por algumas das mudanças que vemos no neurodesenvolvimento após um trauma na infância”, detalha Kathryn Lenz, autora principal do estudo e professora-assistente de psicologia na Universidade de Ohio.
Os pesquisadores compararam ratos estressados com cobaias não estressadas, considerando também diferenças em relação ao sexo dos animais. O grupo de Lenz observou efeitos do estresse durante os primeiros dias de vida, como ser deixado sozinho, sem a mãe, por longos períodos. “A exposição crônica ao estresse fez com que víssemos diferenças significativas na atividade dos mastócitos no cérebro”, explica Lenz.
Segundo a pesquisadora, nos testes, os animais que mais sofreram com a tensão extrema no início da vida apresentaram 30% mais mastócitos do que os não estressados. O aumento dessas células é preocupante porque elas liberam histamina, uma substância química geralmente associada a reações alérgicas, que poderiam alterar o desenvolvimento do cérebro.

Homens

O amento foi maior nos machos, e os pesquisadores explicam que essa diferença é interessante porque há evidências de que, em humanos, os homens podem ser mais vulneráveis a problemas de saúde decorrentes de traumas na primeira infância. “Essas situações, como viver em um lar abusivo ou ser negligenciado, podem contribuir para uma série de problemas, incluindo dependência de drogas e álcool, depressão e ansiedade e até doenças cardiovasculares”, alerta Lenz. “Os mastócitos também podem servir como um alvo viável para desenvolvimento de drogas profiláticas que ajudem a prevenir esses distúrbios psicológicos em crianças que experimentam esses eventos traumáticos”, completa Angela Saulsbery, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade de Ohio.
Christian Muller, médico neuropediatra do Hospital da Criança José Alencar e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria do Distrito Federal, explica que o fenômeno é chamado, entre especialistas, de estresse tóxico. Pesquisas mostram o efeito negativo dele, com alteração hormonal e consequências no desenvolvimento infantil. O desafio, agora, é entender mais claramente como se dão essas relações. “Elas estão, por exemplo, em fatores químicos ou estruturais. O fato de não entendermos completamente onde estão não quer dizer que elas não existam. Naturalmente, mais pesquisas são necessárias para elucidar melhor esses caminhos.”

Apoio científico

Thiago Blanco, professor da Faculdade de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), de Brasília, e psiquiatra da infância e da adolescência, acredita que o estudo aborda um tema extremamente interessante e que entra em sintonia com dados observados na clínica médica. “O estresse na infância é um tema já discutido, mas esse estudo se destaca por analisar seu impacto desde cedo. É feito com animais, mas isso ocorre porque não é possível realizar essa atividade com humanos. Se compararmos com o que vemos em pacientes, casos de crianças que foram indesejadas, tentativas de aborto, tudo isso significa que uma rejeição primária realmente gera efeitos negativos ao longo da vida”, diz.
Blanco destaca que pesquisas como a americana são importantes porque servem como um apoio para profissionais que tratam a saúde mental durante a infância e a adolescência. “Esses dados dão um embasamento teórico mais robusto, que corrobora o que analisamos na clínica. Com essas evidências, temos um arsenal maior para justificar as ações no tratamento. Acho que falamos muito da gestante, mas temos que analisar todo o pré-natal, a questão dos primeiros dias do bebê e como ele pode ser influenciado nesse momento, aumentar o olhar para a saúde mental e entender melhor como ela se desenvolve”, defende.
Durante o encontro da Sociedade de Neurociência, pesquisadores mostraram outros estudos que reforçam o quanto o estresse durante o desenvolvimento fetal ou na primeira infância pode ter consequências a longo prazo para o cérebro, desde aumentar a probabilidade de distúrbios cerebrais até influenciar os nutrientes que uma mãe pode passar para os bebês no útero.
Em uma das pesquisas, publicada em 2014, cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, patrocinados pelo Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH em inglês), mostraram que o estresse durante a gravidez pode alterar as bactérias do intestino em mulheres e em camundongos. Nos ratos, a complicação também reduziu os nutrientes essenciais ao desenvolvimento neural do cérebro dos filhotes. Os pesquisadores acreditam que o mesmo poderia ocorrer em humanos.
Em outro estudo, divulgado em 2017, na revista Science, cientistas da Universidade de Princeton (EUA) observaram que o estresse no início da vida mudou a estrutura da cromatina, substância presente em uma região cerebral relacionada à recompensa. Em testes com camundongos, isso deixou os animais mais vulneráveis ao estresse quando adultos. “Esses são apenas alguns exemplos. As evidências estão crescendo, apoiando a ideia de que o estresse ou o trauma pode ser prejudicial ao desenvolvimento fetal”, reforçou Heather Brenhouse, moderadora do evento e professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Northeastern, também nos Estados Unidos.
 
Hábitos
Para Brenhouse, a descoberta dos mecanismos pelos quais o estresse infantil ou fetal perturba o desenvolvimento do cérebro e leva a distúrbios poderá ser usada clinicamente. “Entender como o estresse afeta o desenvolvimento de sistemas biológicos pode levar a novas abordagens específicas do paciente para tratamento e melhores resultados”, explica. “Também estamos começando a aprender que medidas que promovem atividades anti-inflamatórias, como exercícios ou, talvez, embora não bem estudada, uma dieta anti-inflamatória, podem atenuar ou prevenir os efeitos desse estresse precoce ao longo da vida.”
Fábio Aurélio Leite, médico neuropsiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e professor da Universidade de Brasília (UnB), conta que existem trabalhos mostrando que o nível de cortisol, o hormônio do estresse, da mãe é compartilhado pelo sangue com a criança, o que pode afetá-la. “Outro ponto é o barulho. Sabemos que ele também pode influenciar. Bebês cujos pais conversam com eles durante a gestação têm mais chance de reconhecer a voz deles depois. Isso mostra que eles também conseguem entender gritos e uma tonalidade mais agressiva”, contextualiza. (VS)